sábado, 24 de dezembro de 2011

Natal é noite

É Natal. As casas se enchem de luzes e pessoas. Muitas vozes falam ao mesmo tempo. Não sei se dialogam, mas falam. Todos falam, com a exceção de uma única voz que grita por dentro. A sala de estar está repleta de pessoas e presentes.  Mas ali, em algum canto, há uma presença ausente de quem sente um profundo mal-estar. É preciso sorrir e disfarçar a tristeza. Uma taça de vinho cai bem. Outra taça, para melhor diluir a angústia. Ela, que alegra e desperta tantos sorrisos nos rostos alheios durante o ano, não consegue alegrar a si mesma na noite de natal. Embargue a alma, pois a noite será longa. Se nunca lhe fora dado um espaço para sofrer sem ter que explicar, não seria agora, numa data tão institucional, que lhe concederiam a clemência de sentir a sua dor. Nem ela sabe mais transportar pra fora o seu eu de dentro. Aprendeu, a duras penas, domesticar seus personagens. E de amigo secreto, o seu mais secreto desejo era estar longe dali e de qualquer outro lugar.
Ceia posta, mesa farta e ela, farta dos dissabores que a data natalina lhe provoca. Tornou-se clichê sofrer no fim do ano, mas quando se trata das dores da alma, os clichês não existem. Mesmo os de sempre se tornam novos no momento em que reverberam. E ela sofre como se nunca houvesse sentido o que lhe dói. Não sabe lidar, embora sofra com frequência dores que são suas e outras de tantos outros. Tem a consciência de que a dor passa, mas algumas perduram o tempo suficiente de uma intensidade ‘para sempre. ’
Não consigo ser feliz na época de natal. Lembro-me de quando era criança, que esperava ansiosa pela visita do papai noel, sentindo uma coisa estranha no coração. Era angústia, mas para uma criança de 7 ou 8 anos, aquele sentir tão deslocado, era facilmente posto de lado diante de uma boneca nova. Os anos se passaram e a usual tristeza natalina permaneceu. Respeito a tradição religiosa de celebrar o nascimento do cristo, mas o deus que creio não se encontra necessariamente na igreja ou na religião. Se estiver ou não, pra mim não importa. O que vale é a ética nas atitudes, a fidelidade aos princípios e valores. Vejo inúmeros fiéis que proclamam rezas tão vazias, que chego a pensar que Jesus nasce no natal chorando de tristeza diante de tanta hipocrisia.
Parentes desunidos, lares desfeitos, famílias de aparência. Qual o sentido de celebrar? Celebrar o quê? Encher a barriga, distribuir presentes e.....? Enquanto muitos comem, tantos outros sentem fome: de comida, de verdade, de afeto, de vida. Não consigo me acomodar a isso. O excesso de sentimentalismo barato agride os verdadeiros sentimentos. Admiro quem vivencia o ‘espírito natalino’ de forma coerente. Alegria excessiva é dramaturgia. Natal não é ocasião de palcos e eu abomino plateias vazias. Lotada de pessoas, mas vazias de sentidos.
Natal significa quando é vivido todos os dias. Reverenciar a busca por uma nova vida, o resgate da esperança e partilha do afeto são falsos se expressados numa única ocasião. De nada adianta desejar um “feliz natal” se tal desejo não provocar algo construtivo em si perante o outro. Saudações de protocolo são discursos vazios. E de vazio, bastam os espaços da minha e da sua alma, que não sabem celebrar o natal, mas anseiam por sentimentos e sentidos que vibrem em todas as datas do calendário humano.

4 comentários:

Anônimo disse...

Bernardo lê e concorda com tudo isso.

Talita Prates disse...

Minha alma concorda com a sua - porque entende esses vãos - porque os sente em demasia.

Adorei.

Beijo,

(F)

Talinha.

Alicia disse...

NOSSA, mas que porrada na alma!

Nanda disse...

Uma certa vez um moço me chamou de 'insensível' por não gostar de natal. Eu logo disse: que nada, não gosto porque sinto demais, sinto as entrelinhas todas.
É talvez é isso, quem sente em demasia sente até as frustrações que os outros escondem.

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