terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Do que é breu e luz



Como lidar com os olhos que só enxergam a opressão? Excessos de realidade? Acessos à existência imaginária de uma ilusão excessivamente real?
E quando se acredita em um abismo imenso, mas que pode não ser tão grande assim? Apega-se à possibilidade (sem garantia alguma) de encontro com a dúvida?
E quando a vontade de morrer é maior que a de respirar, vale a covardia de não prender a respiração?
Como lidar com os choros que não acontecem? Inundam por dentro até o limite de não mais conseguir parar de chorar?

Lágrimas áridas sempre permeiam existências desérticas.
Um oásis de mortes específicas para quem não deseja sucumbir.

E quando a solidão é uma das maiores dores, mas você se fecha, enclausura e impede o acesso dos que gostam de você, ou os agride até se afastarem? Quer ou não quer cia.? Quer, mas expulsa? Não quer, mas pede colo?

Não é nada, tudo é muito pouco. Nem um nem (o) outro. O que fica.
Transbordos indicam o caminho de uma existência que vai além. Do limite à borda. Além da borda.
Compassos harmonizam o tempo à lógica do efêmero. Descompassos agridem a melodia da história. A alma canta o que a narrativa da vida faz questão de ferir.

O tempo não permanece. Permaneçamos nós.
O caminho é estreito. A alma engorda com o tempo.
Algum dia não haverá mais para onde correr, tampouco passar, sentir, insistir, desistir. Será o fim. Do que foi bom. Do que é caos. Da (v)ida.


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Repertórios da arte por dentro




Eis o prólogo de uma história cujo fim começa no começo: era uma vez uma criança que sonhava ser bailarina pelo resto da vida. Um desejo sincero, um não acontecido. O tempo fez com que “dançar pelo resto da vida” refletisse restos de dias que não dançam mais. Fim. Fim! Alguns fins não acabam. Algo estranho nunca deixou de se movimentar dentro da ex-purgada bailarina. Nela, abismos livres dançam nos palcos internos, agridem, exageram nos movimentos e pisam com a firmeza de quem sabe executar o passo. Dançam sem música, em silêncio, aos gritos. Dançam dançam dançam dançam dançam e dançam. E ela os odeia. Odeia os bailarinos da morte que a deixam viver, que cravam no peito cruzes que esgotam a força do corpo. No breu das sapatilhas que impede o escorrego, lágrimas de quase sangue escorrem por dentro de um dentro tão fundo, que cria o vazio da cena. Não há espetáculo, não há platéia, não há nada além de palmas que ecoam na coxia da solidão. No ato de desatar o corpo da alma, tristeza e angústia dançam o pas de deux, deixando no chão as marcas de uma sombra que se move sozinha. Das lembranças do passado que dialoga com o presente, o medo do pas de bourrée e o temor pelos mantras de uma reza burra. Não há salvação para a alma da bailarina petrificada no tempo. Nos acordes dissonantes de uma música sem som, a ausência de palavras livres que poetizam o corpo. No envelope lacrado, restos que registram um antigo convite: as dores da bailarina que a vida tirou pra dançar.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Dos contos sem fadas




Era uma vez uma história que nunca (me) aconteceu.
Era uma vez uma história que nunca (te) aconteceu.
Era uma vez o que nunca foi mesmo.

Era uma outra vez tantas histórias não acontecidas.
Eram tantas vezes, foram tantas histórias, que o não acontecido virou desejo para sempre.
Era uma vez o que foi para sempre.
E foi para sempre o que uma vez era infinito.
E foi uma vez que o para sempre virou saudade.
Do que nunca aconteceu, do que foi e não é mais, do que permanece sendo.
Era uma vez o que a saudade não dá conta de dizer...
Porque a saudade, por ser saudade, sempre será uma vez. Única.


sexta-feira, 7 de setembro de 2012

( . . . . . . . . . . )




A palavra é vazia para quem sente demais; é maldita para quem tem sede de dizer o impossível.
Palavra é a falta daquilo que sobra em algum lugar. É o conflito de querer alcançar a perfeição daquilo que, por essência, é falha.
Nas tentativas, o medo paralisante. Um quase fim da linha cheio de linhas vazias, palavras soltas e pensamentos condenados à prisão.
Nos gritos que gritam por dentro, algumas lágrimas que silenciam pra fora.
(...)
Tanto a dizer, tanto o que sentir a partir da fala, que troco o lugar da palavra pelo sentimento de não saber o que dizer.
Alívio é não saber o que dizer, angústia é não conseguir dizer aquilo que se sabe.
De quantas angústias vive um coração falante? De quantas grades e cadeados vive um coração obrigado a emudecer?
Existência doentia de uma fala sem voz.
Estou na ausência daquilo que me consome em excesso. Minhas páginas em branco.
(...)
Não gosto de ficar sozinha com os meus silêncios que não dizem nada, mas também não quero ficar no meio de palavras que só me trazem solidão.
Não gosto de viver nesse mundo cheio de porta-vozes e vazio de palavras que representam.
Cansei de representar personagens que não me consagram vida.
Cansei de viver sem poder dizer.
Cansei de ser obrigada a falar e esconder o que foi dito.
Cansei do que não sei e sou obrigada a ter que saber.
Cansei de tentar aprender um pouco mais, para saber ainda menos.
Cansei de não saber concluir o que me propus iniciar.
(...)
Estou cansada e não era nada disso o que eu queria dizer, se é que queria dizer algo.
Chega.  


sexta-feira, 20 de julho de 2012

A-mor-te





No aeroporto, porto das partidas. Pessoas sorriam e gesticulavam apressadas, rumo aos destinos. Ela, em silêncio, levava consigo um coração partido e uma mensagem no celular: “morreu!”. Uma lágrima discreta escorreu pelo rosto. Não conseguia chorar, embora a realidade houvesse desmoronado diante de si. Talvez tivesse desaprendido a falar pelos olhos; talvez o fim dito ao amor fosse o torpor de todos os sentidos. Talvez o fim da vida não fosse o fim do amor, mas ela nunca soube amar além da existência. Perdera o sentido quando, subitamente, sentiu seu corpo desfalecer. Não deu tempo de se apoiar na cadeira mais próxima e caiu no chão. Antes, pensou que pudesse estar morrendo e, por um instante, sua alma se encheu de alegria. O escuro diante dos olhos durou poucos segundos; um fato irrelevante para quem tinha a vida guardada em abismos. Agradeceu aos desconhecidos que lhe ajudaram. Quis pedir socorro enquanto dizia que estava tudo bem. Um senhor se ofereceu para acompanhá-la até o embarque, desconfiado do que acabara de ouvir. Sim, ela não era digna de credibilidade. A morte estava estampada em seu rosto, deflagrada pelo interior do seu corpo. Lembrou-se das vezes em que pediu para morrer por não suportar o amor que sentia. Fantasiava cenas shakespearianas de um amor único para duas mortes. Era egoísta e, se pudesse, transformaria o outro na continuidade de sua alma. Aprisionou-o até o limite de sua (in)segurança. Em vão. A vida esvaiu-se como quem pede para ir embora. Pelos vãos e labirintos de sua alma, uma rua sem saída. Quis recuar, talvez outro caminho levasse à ressurreição do amor. Impossível. A morte não tem saída. Chamaram pelo seu voo. O aviso sonoro atropelou o pensamento. Hora de ir ao encontro de quem lhe trouxera a vida. Ela, que nunca soubera ser a outra face do amor, buscava meios de expurgar a culpa por amar de um jeito tão estranho. Sentiu medo. Pela primeira vez sentiu medo da morte. Logo a morte, tão desejada nos tempos em que a vida lhe parecia eterna. Reencontrou o amor que tanto lhe matava, (...) sem vida. Abraçou a morte pedindo o fim de sua existência. Não teve coragem de se despedir daquele corpo sem alma. No adeus não dito, um grito de inferno e dor atravessou-lhe a garganta, rasgando com os cortes da morte, os escritos da palavra a m o r.