segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Repertórios da arte por dentro




Eis o prólogo de uma história cujo fim começa no começo: era uma vez uma criança que sonhava ser bailarina pelo resto da vida. Um desejo sincero, um não acontecido. O tempo fez com que “dançar pelo resto da vida” refletisse restos de dias que não dançam mais. Fim. Fim! Alguns fins não acabam. Algo estranho nunca deixou de se movimentar dentro da ex-purgada bailarina. Nela, abismos livres dançam nos palcos internos, agridem, exageram nos movimentos e pisam com a firmeza de quem sabe executar o passo. Dançam sem música, em silêncio, aos gritos. Dançam dançam dançam dançam dançam e dançam. E ela os odeia. Odeia os bailarinos da morte que a deixam viver, que cravam no peito cruzes que esgotam a força do corpo. No breu das sapatilhas que impede o escorrego, lágrimas de quase sangue escorrem por dentro de um dentro tão fundo, que cria o vazio da cena. Não há espetáculo, não há platéia, não há nada além de palmas que ecoam na coxia da solidão. No ato de desatar o corpo da alma, tristeza e angústia dançam o pas de deux, deixando no chão as marcas de uma sombra que se move sozinha. Das lembranças do passado que dialoga com o presente, o medo do pas de bourrée e o temor pelos mantras de uma reza burra. Não há salvação para a alma da bailarina petrificada no tempo. Nos acordes dissonantes de uma música sem som, a ausência de palavras livres que poetizam o corpo. No envelope lacrado, restos que registram um antigo convite: as dores da bailarina que a vida tirou pra dançar.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Dos contos sem fadas




Era uma vez uma história que nunca (me) aconteceu.
Era uma vez uma história que nunca (te) aconteceu.
Era uma vez o que nunca foi mesmo.

Era uma outra vez tantas histórias não acontecidas.
Eram tantas vezes, foram tantas histórias, que o não acontecido virou desejo para sempre.
Era uma vez o que foi para sempre.
E foi para sempre o que uma vez era infinito.
E foi uma vez que o para sempre virou saudade.
Do que nunca aconteceu, do que foi e não é mais, do que permanece sendo.
Era uma vez o que a saudade não dá conta de dizer...
Porque a saudade, por ser saudade, sempre será uma vez. Única.


sexta-feira, 7 de setembro de 2012

( . . . . . . . . . . )




A palavra é vazia para quem sente demais; é maldita para quem tem sede de dizer o impossível.
Palavra é a falta daquilo que sobra em algum lugar. É o conflito de querer alcançar a perfeição daquilo que, por essência, é falha.
Nas tentativas, o medo paralisante. Um quase fim da linha cheio de linhas vazias, palavras soltas e pensamentos condenados à prisão.
Nos gritos que gritam por dentro, algumas lágrimas que silenciam pra fora.
(...)
Tanto a dizer, tanto o que sentir a partir da fala, que troco o lugar da palavra pelo sentimento de não saber o que dizer.
Alívio é não saber o que dizer, angústia é não conseguir dizer aquilo que se sabe.
De quantas angústias vive um coração falante? De quantas grades e cadeados vive um coração obrigado a emudecer?
Existência doentia de uma fala sem voz.
Estou na ausência daquilo que me consome em excesso. Minhas páginas em branco.
(...)
Não gosto de ficar sozinha com os meus silêncios que não dizem nada, mas também não quero ficar no meio de palavras que só me trazem solidão.
Não gosto de viver nesse mundo cheio de porta-vozes e vazio de palavras que representam.
Cansei de representar personagens que não me consagram vida.
Cansei de viver sem poder dizer.
Cansei de ser obrigada a falar e esconder o que foi dito.
Cansei do que não sei e sou obrigada a ter que saber.
Cansei de tentar aprender um pouco mais, para saber ainda menos.
Cansei de não saber concluir o que me propus iniciar.
(...)
Estou cansada e não era nada disso o que eu queria dizer, se é que queria dizer algo.
Chega.  


sexta-feira, 20 de julho de 2012

A-mor-te





No aeroporto, porto das partidas. Pessoas sorriam e gesticulavam apressadas, rumo aos destinos. Ela, em silêncio, levava consigo um coração partido e uma mensagem no celular: “morreu!”. Uma lágrima discreta escorreu pelo rosto. Não conseguia chorar, embora a realidade houvesse desmoronado diante de si. Talvez tivesse desaprendido a falar pelos olhos; talvez o fim dito ao amor fosse o torpor de todos os sentidos. Talvez o fim da vida não fosse o fim do amor, mas ela nunca soube amar além da existência. Perdera o sentido quando, subitamente, sentiu seu corpo desfalecer. Não deu tempo de se apoiar na cadeira mais próxima e caiu no chão. Antes, pensou que pudesse estar morrendo e, por um instante, sua alma se encheu de alegria. O escuro diante dos olhos durou poucos segundos; um fato irrelevante para quem tinha a vida guardada em abismos. Agradeceu aos desconhecidos que lhe ajudaram. Quis pedir socorro enquanto dizia que estava tudo bem. Um senhor se ofereceu para acompanhá-la até o embarque, desconfiado do que acabara de ouvir. Sim, ela não era digna de credibilidade. A morte estava estampada em seu rosto, deflagrada pelo interior do seu corpo. Lembrou-se das vezes em que pediu para morrer por não suportar o amor que sentia. Fantasiava cenas shakespearianas de um amor único para duas mortes. Era egoísta e, se pudesse, transformaria o outro na continuidade de sua alma. Aprisionou-o até o limite de sua (in)segurança. Em vão. A vida esvaiu-se como quem pede para ir embora. Pelos vãos e labirintos de sua alma, uma rua sem saída. Quis recuar, talvez outro caminho levasse à ressurreição do amor. Impossível. A morte não tem saída. Chamaram pelo seu voo. O aviso sonoro atropelou o pensamento. Hora de ir ao encontro de quem lhe trouxera a vida. Ela, que nunca soubera ser a outra face do amor, buscava meios de expurgar a culpa por amar de um jeito tão estranho. Sentiu medo. Pela primeira vez sentiu medo da morte. Logo a morte, tão desejada nos tempos em que a vida lhe parecia eterna. Reencontrou o amor que tanto lhe matava, (...) sem vida. Abraçou a morte pedindo o fim de sua existência. Não teve coragem de se despedir daquele corpo sem alma. No adeus não dito, um grito de inferno e dor atravessou-lhe a garganta, rasgando com os cortes da morte, os escritos da palavra a m o r.

sábado, 7 de abril de 2012

E o resto é...



No consultório médico...

- Doutor, não estou bem. Ando com problemas de existência.
- Hum! Isso é grave e não tem cura.
- O que faço, então?
- Se aceite e viva ou se mate.
- E morrer resolve?
- Isso é você quem deve responder. Mas, veja: quem decide morrer, há tempos já não vive.
- (Silêncio)
- O que te traz aqui são seus problemas de existência?
- Não, deixa pra lá.
- Quer falar?
- É que eu morri e não sabia.
- Às vezes a vida volta. Saiba o que fazer com ela quando ressurgir.  
- (.....)
                                                                                                                                                                                                                                 
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-----> Eduardo Galeano in. Dias e noites de amor e guerra, 2001.

terça-feira, 20 de março de 2012

Re-luto o real





Não há dor maior que a dor da impossibilidade de um coração, que sonhou com o céu de outra alma, que viajou por mundos e derrubou muros para estar perto. Sonhou sozinho uma realidade acompanhada. Um coração de partidas, idas e vindas trazendo o outro. Viajante, mas seguro do ponto de encontro: o tão sonhado e desejado (outro) coração*.
Viver da ilusão de tornar possível o impossível foi o desafio constante de manter viva a esperança. Tantas vezes pareceu haver escutado respostas; tantas outras pensou haver entendido sinais. Eram ecos ilusórios, miragens que se vê quando se atravessa os desertos da alma.
Cedo ou tarde a realidade seria deflagrada.
O coração chora lágrimas que desembocam num mar. Morto. Acabou a vida dos sonhos. Bem me avisara o luto que tanto neguei.  Difícil pensar num esvaziamento, numa ruptura de algo que se tornou parte da essência de um todo.
Nas lágrimas, todo o não dito, escrito, vivido. Densas lágrimas correm pelo rosto triste de quem, logo mais, terá que sorrir.
O coração está morto e, hoje, chora todas as suas mortes. Sem fim.


* Um outro coração pessoal; o outro coração do outro? Eu não sei.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Adulteci





Quando meu coração dói por dores que não sei lidar, algo me diz que é preciso crescer. Mas, o medo me faz voltar aos sonhos de ser criança. Porque por mais que uma criança sofra, um sorvete é capaz de alegrá-la e as cores de um algodão-doce trazem de volta o brilho nos olhos...
A criança chora, mas em seguida é capaz de sorrir com a mesma intensidade das lágrimas. O bonito da infância é saber reagir diante das contradições.
Quando crianças, brincamos de ser adultos. E a gente cresce pra querer voltar a ser criança. Há nisso um sentido que ultrapassa o mero querer, penso. Eis o tempo e suas inadequações. O tempo que, para alguns, é um santo remédio. Se assim fosse, chamaria antibiótico. Mas, é o tempo, o senhor das transformações, que nos torna adultos.
(.....)
Lembro-me de quando abraçava minhas bonecas e o simples gesto amenizava os vazios que eu sentia sem entender.
A saudade era distraída com um brinquedo novo. O medo se traduzia num fantasma que poderia estar escondido no escuro. As dores e feridas eram curadas com afago e um remedinho.
Eu vivia com o joelho ralado e talvez fosse feliz. Não tinha muita consciência das coisas. Não sei se tenho hoje, mas tento não ser alienada.
Hoje, não machuco mais o joelho, mas tenho um coração rasgado, fragmentado em partes que se multiplicam em dores.
Não tenho mais bonecas, não me alegro com um sorvete. Outras coisas, ainda que poucas, significam a minha existência.
Eu cresci, mas não o suficiente. Tenho medo de viver e não conseguir viver. Apenas existir, entende?
Quando eu era pequena, eu tinha mais coragem, justamente por não saber o que isso significa.
Olho para a menininha ainda não esquecida, que vive em meu dentro.  Tão diferente do que me tornei hoje. (...) Ela me faz pensar que, para crescer, talvez seja necessário voltar a ser criança. Talvez.  Tudo o que um dia soube, ficou no tempo da minha infância.
Não há mais castelos e não sou a princesa que salva os desprotegidos.
Não consigo me salvar.
Não tenho abrigo.
Não sei brincar.
Não fantasio.
Não e nada. 

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Nascer após a morte


No momento em que percebeu que aquele era seu último suspiro, prendeu a respiração. Não queria ir, embora fosse impossível permanecer. Suas últimas palavras não poderiam ser dirigidas a uma enfermeira
assustada, sua única companhia. 
Engoliu a fala. Restos de uma vida reduzidos em um leito de morte, sinalizados por um único fio condutor, que já não sustentava seu corpo. Não aguentou segurar o ar e, com um amargo sopro, faleceu. Morto, assistiu ao filme de sua vida. Metade era censurada. A outra metade, memórias inventadas. Morreu em si o que nunca fora vivido. Talvez, enfim, pudesse nascer de novo.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Palavras em sépia




Nunca escrevi um texto bonito, sem tristeza. Nunca. Não sou triste o tempo todo, mas a minha escrita, se é que posso chamá-la assim, é. E é, porque escrevo o que sinto e não consigo dizer. Traduzo em palavras o que a fala finge não dar conta. (...).

Tentei muitas vezes descrever momentos de alegria ou trazer para o papel os belos sentimentos que conheço, mas é sempre a melancolia que passa por entre as palavras e prepondera no que tento escrever.
Admiro tanto as pessoas que sabem desenhar lugares onde não comportam as dores da alma! É lindo ler poesias que enobrecem a existência, que exaltam os sentidos e possibilidades.
Mas, nas flores que toco, os espinhos me ferem; os sorrisos espremem lágrimas; o coração bate e me espanca por dentro.
Ainda assim, eu queria escrever um texto agradável de ser lido.

Queria amanhecer e acordar de um sonho real. E poder sentir no primeiro abraço, o primeiro amor sem dor. E ao sorrir, agradecer pelas cócegas na alma envolvida pelo afeto. E olhar por dentro e não ver vazios. Penetrar sem invadir. Olhar no escuro e enxergar a luz. Viver o dia sem morrer um dia. Que a eternidade não fosse meramente um sonho de quem deseja nunca se despedir de quem ama.
Bela é a presença que atravessa o presente. O afeto que afeta sem deixar cicatrizes.
Sentir saudade de uma presença entrelaçada ao corpo, que ao partir, o leve consigo.
Queria desejar todos os dias. E em cada desejo, lutar pelo que acredito. Queria crer na intensidade da dúvida. Queria saber levar minha alma pra dançar, como tanto fiz durante treze anos dançando ballet.
O corpo flui, a alma fica. Fica na pausa do tempo, que congela movimentos densos de uma alma (in)tensa.
Sonho em descobrir a beleza que se oculta nos conflitos; sentir a alegria salvífica de uma lágrima sincera; resgatar pessoas e passados, ainda que impossíveis. Sonho com o impossível, com a felicidade impossível; com o sonho de que o impossível é tão somente a realidade a ser perquirida.
Desejo muito o que em sonhos, eu já consegui. (...)...
Sonhar demais me assusta. Desejar de menos também.
Entre um e outro, o (des)equilíbrio. Talvez por isso eu não saiba escrever um texto feliz.


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Só, corro

Recebi um convite lindo de uma amiga (Carina - @destempero), para participar da 'Confraria de Verão', do blog Confraria dos Trouxas. Escrever no meio de tantas feras foi um desafio que, confesso, me assustou um pouco. 
Mas, é uma honra pra mim estar lá! E quanto ao blog, super indico! 

Abaixo, o texto que escrevi especialmente pra Confraria.



Quando estou só, eu corro. Fujo de mim em busca de um alguém que não encontro.
Entre ruas desertas, ecos sombrios de almas que vagam, grito por socorro. – Socorro! Ninguém me ouve. ... Você me escuta?
Corro ainda mais, estou só. ... Você me segue escondido?
Sei que não fiz nada, mas devo pedir desculpas por te amar tanto assim? ... Você me ama? Não se desculpe.
Não temo a solidão de ser sozinha, mas tenho medo da solidão de não ter você comigo. Sua ausência é o meu maior fantasma.
Solidão maior é o descompasso de não saber sentir. Eu sinto tanto, que já não sinto mais nada. Meus excessos me anestesiam e consomem. Existo mais do que posso. 
Hoje eu não sinto nada, mas sei que o nada passa. Um dia voltarei a transbordar com o receio de sucumbir por não suportar a densidade do mar que desemboca em um frágil rio.
Hoje, mar morto. Amanhã, não sei.
Por ora, o breu me consome, mas talvez exista luz em algum lugar no meu dentro. Os buracos são profundos e precisarei encontrar sozinha. ... Sozinha não, me ajuda?
Pior do que não sentir nada, é sofrer com a inexistência de sentidos. Eles existem, mas não sei quais são. Sei, mas não os encontro ou procuro. Busco, mas não os quero.
Uma existência dialética? Não! Apenas uma alma inquieta que não se acomoda ao que existe. ... Por ser assim, eu te incomodo?
Sou complexa, eu sei. Mas, sou apenas complexa. E isso é simples.
Desacelero o passo. Permaneço só. Ando só. Eu, que quando só, corro.
Recorro ao tempo, que não cura, mas ameniza pela distância que cria entre o fato e o sentimento. Fatal. Não conseguirei ir se não vier comigo.
Vou te esperar.
Fica aqui. Sem adeus. Ai, deus.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

COVAR(DIA) É SENTIR MEDO DA NOITE?




Hoje eu sinto medo de viver, sinto medo de mim, do que sinto e sei e de tudo aquilo que nem sei que estou sentindo.
Descontrolo pelos excessos que me faltam. Choro pelo que desconheço, por aquilo que lá no fundo determina as razões que me arrasam hoje.
Viver demais por dentro atrapalha a vida de fora. Hoje tenho medo do mundo, de qualquer mundo. Ontem eu também tinha. Fujo de mim e me escondo, mas me busco desesperadamente em realidades paralelas, sonhadas em via única, sem destino.
Máscaras imperfeitas que não se adequam à matriz. Um eu negado, relegado ao léu. É possível morrer em vida, a existência adoece quando se fragiliza.
Adoecer dói. Viver dói. Morrer também deve doer.
Não sei porquê escrevo, tampouco vejo sentido. Reflexo da vida que enxergo hoje: sem brilho, cor, direção. Eu não faço sentido nem quando sinto. E eu sinto sempre. Os dias me são escuros, sinto a noite sob o sol. Não a noite bonita, e sim a noite do vazio da lua. Noite sem lua é abismo. É silêncio aflito por não poder dizer.
Noite sem estrelas é dia sem sol.
Hoje eu só queria sentir menos e conhecer o brilho do sol à noite.
Não sei concluir...