domingo, 26 de fevereiro de 2012

Nascer após a morte


No momento em que percebeu que aquele era seu último suspiro, prendeu a respiração. Não queria ir, embora fosse impossível permanecer. Suas últimas palavras não poderiam ser dirigidas a uma enfermeira
assustada, sua única companhia. 
Engoliu a fala. Restos de uma vida reduzidos em um leito de morte, sinalizados por um único fio condutor, que já não sustentava seu corpo. Não aguentou segurar o ar e, com um amargo sopro, faleceu. Morto, assistiu ao filme de sua vida. Metade era censurada. A outra metade, memórias inventadas. Morreu em si o que nunca fora vivido. Talvez, enfim, pudesse nascer de novo.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Palavras em sépia




Nunca escrevi um texto bonito, sem tristeza. Nunca. Não sou triste o tempo todo, mas a minha escrita, se é que posso chamá-la assim, é. E é, porque escrevo o que sinto e não consigo dizer. Traduzo em palavras o que a fala finge não dar conta. (...).

Tentei muitas vezes descrever momentos de alegria ou trazer para o papel os belos sentimentos que conheço, mas é sempre a melancolia que passa por entre as palavras e prepondera no que tento escrever.
Admiro tanto as pessoas que sabem desenhar lugares onde não comportam as dores da alma! É lindo ler poesias que enobrecem a existência, que exaltam os sentidos e possibilidades.
Mas, nas flores que toco, os espinhos me ferem; os sorrisos espremem lágrimas; o coração bate e me espanca por dentro.
Ainda assim, eu queria escrever um texto agradável de ser lido.

Queria amanhecer e acordar de um sonho real. E poder sentir no primeiro abraço, o primeiro amor sem dor. E ao sorrir, agradecer pelas cócegas na alma envolvida pelo afeto. E olhar por dentro e não ver vazios. Penetrar sem invadir. Olhar no escuro e enxergar a luz. Viver o dia sem morrer um dia. Que a eternidade não fosse meramente um sonho de quem deseja nunca se despedir de quem ama.
Bela é a presença que atravessa o presente. O afeto que afeta sem deixar cicatrizes.
Sentir saudade de uma presença entrelaçada ao corpo, que ao partir, o leve consigo.
Queria desejar todos os dias. E em cada desejo, lutar pelo que acredito. Queria crer na intensidade da dúvida. Queria saber levar minha alma pra dançar, como tanto fiz durante treze anos dançando ballet.
O corpo flui, a alma fica. Fica na pausa do tempo, que congela movimentos densos de uma alma (in)tensa.
Sonho em descobrir a beleza que se oculta nos conflitos; sentir a alegria salvífica de uma lágrima sincera; resgatar pessoas e passados, ainda que impossíveis. Sonho com o impossível, com a felicidade impossível; com o sonho de que o impossível é tão somente a realidade a ser perquirida.
Desejo muito o que em sonhos, eu já consegui. (...)...
Sonhar demais me assusta. Desejar de menos também.
Entre um e outro, o (des)equilíbrio. Talvez por isso eu não saiba escrever um texto feliz.


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Só, corro

Recebi um convite lindo de uma amiga (Carina - @destempero), para participar da 'Confraria de Verão', do blog Confraria dos Trouxas. Escrever no meio de tantas feras foi um desafio que, confesso, me assustou um pouco. 
Mas, é uma honra pra mim estar lá! E quanto ao blog, super indico! 

Abaixo, o texto que escrevi especialmente pra Confraria.



Quando estou só, eu corro. Fujo de mim em busca de um alguém que não encontro.
Entre ruas desertas, ecos sombrios de almas que vagam, grito por socorro. – Socorro! Ninguém me ouve. ... Você me escuta?
Corro ainda mais, estou só. ... Você me segue escondido?
Sei que não fiz nada, mas devo pedir desculpas por te amar tanto assim? ... Você me ama? Não se desculpe.
Não temo a solidão de ser sozinha, mas tenho medo da solidão de não ter você comigo. Sua ausência é o meu maior fantasma.
Solidão maior é o descompasso de não saber sentir. Eu sinto tanto, que já não sinto mais nada. Meus excessos me anestesiam e consomem. Existo mais do que posso. 
Hoje eu não sinto nada, mas sei que o nada passa. Um dia voltarei a transbordar com o receio de sucumbir por não suportar a densidade do mar que desemboca em um frágil rio.
Hoje, mar morto. Amanhã, não sei.
Por ora, o breu me consome, mas talvez exista luz em algum lugar no meu dentro. Os buracos são profundos e precisarei encontrar sozinha. ... Sozinha não, me ajuda?
Pior do que não sentir nada, é sofrer com a inexistência de sentidos. Eles existem, mas não sei quais são. Sei, mas não os encontro ou procuro. Busco, mas não os quero.
Uma existência dialética? Não! Apenas uma alma inquieta que não se acomoda ao que existe. ... Por ser assim, eu te incomodo?
Sou complexa, eu sei. Mas, sou apenas complexa. E isso é simples.
Desacelero o passo. Permaneço só. Ando só. Eu, que quando só, corro.
Recorro ao tempo, que não cura, mas ameniza pela distância que cria entre o fato e o sentimento. Fatal. Não conseguirei ir se não vier comigo.
Vou te esperar.
Fica aqui. Sem adeus. Ai, deus.