sexta-feira, 20 de julho de 2012

A-mor-te





No aeroporto, porto das partidas. Pessoas sorriam e gesticulavam apressadas, rumo aos destinos. Ela, em silêncio, levava consigo um coração partido e uma mensagem no celular: “morreu!”. Uma lágrima discreta escorreu pelo rosto. Não conseguia chorar, embora a realidade houvesse desmoronado diante de si. Talvez tivesse desaprendido a falar pelos olhos; talvez o fim dito ao amor fosse o torpor de todos os sentidos. Talvez o fim da vida não fosse o fim do amor, mas ela nunca soube amar além da existência. Perdera o sentido quando, subitamente, sentiu seu corpo desfalecer. Não deu tempo de se apoiar na cadeira mais próxima e caiu no chão. Antes, pensou que pudesse estar morrendo e, por um instante, sua alma se encheu de alegria. O escuro diante dos olhos durou poucos segundos; um fato irrelevante para quem tinha a vida guardada em abismos. Agradeceu aos desconhecidos que lhe ajudaram. Quis pedir socorro enquanto dizia que estava tudo bem. Um senhor se ofereceu para acompanhá-la até o embarque, desconfiado do que acabara de ouvir. Sim, ela não era digna de credibilidade. A morte estava estampada em seu rosto, deflagrada pelo interior do seu corpo. Lembrou-se das vezes em que pediu para morrer por não suportar o amor que sentia. Fantasiava cenas shakespearianas de um amor único para duas mortes. Era egoísta e, se pudesse, transformaria o outro na continuidade de sua alma. Aprisionou-o até o limite de sua (in)segurança. Em vão. A vida esvaiu-se como quem pede para ir embora. Pelos vãos e labirintos de sua alma, uma rua sem saída. Quis recuar, talvez outro caminho levasse à ressurreição do amor. Impossível. A morte não tem saída. Chamaram pelo seu voo. O aviso sonoro atropelou o pensamento. Hora de ir ao encontro de quem lhe trouxera a vida. Ela, que nunca soubera ser a outra face do amor, buscava meios de expurgar a culpa por amar de um jeito tão estranho. Sentiu medo. Pela primeira vez sentiu medo da morte. Logo a morte, tão desejada nos tempos em que a vida lhe parecia eterna. Reencontrou o amor que tanto lhe matava, (...) sem vida. Abraçou a morte pedindo o fim de sua existência. Não teve coragem de se despedir daquele corpo sem alma. No adeus não dito, um grito de inferno e dor atravessou-lhe a garganta, rasgando com os cortes da morte, os escritos da palavra a m o r.

11 comentários:

Anônimo disse...

A gente sempre renasce para amar novamente. Às vezes demora um pouco, mais do que uma gestação normal. Mas acontece, sempre.

beijos

(vc sempre me deixa sem palavras com seus textos)

Nina disse...

Que bom revê-la por aqui!

Esse seu texto doeu em mim. Senti o peito rasgar corte a corte, dor a dor...
Soa egoísta, mas acho que uma das piores partidas é quando se parte de si mesmo.
E que a morte seja um motivo a mais para o amor renascer.

Um beijo!

Alicia disse...

Seus textos me rasgam, Nanda. Me rouba as palavras, os sentidos e os sentires. Emudeço.

Ferr disse...

O pior de um coração partido é o que fazer com tantas partes espalhadas em nós. Se misturam, condessam,não sei dizer ao certo...
Amor e morte,tão próximos que chega a dar medo.

Que bom que ressuscitaste o blog.
Bem vinda!

Loridane Melchior disse...

Nanda

Quando você fala/escreve esmigalha meu coração. Sinto dor em todas as dúvidas e nas certezas e depois do que parece ser um último suspiro ou gemido: sorriso.

Estar vivo é tão perigoso, você faz eu lembrar. E também que existe tanta beleza no mundo, nas pessoas.

Nos seus olhos vejo aquelas flores que desavisadas nascem na beirada dos abismos.

Carina Destempero disse...

É impossível te ler e permanecer impassível, Nanda. Tanta dor, tanta vida, tanta morte, amor e verdade em cada uma das suas palavras. E o bom é que palavras assim tão vivas, por mais que cortem, também cicatrizam.

Mariana Motta disse...

Quem te ler e não sente um aperto no peito sequer, com certeza não tem coração, nunca pensou em desistir, ou amor enlouquecidamente. Seus textos, desse como tequila, rasga a garganta por dentro, mas depois, sempre queremos mais um shot.
Adorei, beijos, leitora já fiel.

Bel disse...

Uauuu...
Que texto hein amada!
Eu que tenho estudado sobre a morte (possivel tema de TCC)... fiquei sem palavras...
Parabéns!
Amo o jeito que escreve!
Saudades de vc...

Nina disse...

Você se depara com o amor perdido e deseja uma morte do próprio interior. Eu já passei por isso, já fui coração de pedra, mas descobri que feriadas saram, apesar de não serem esquecidas. A gente se machuca, mas também se renova. Dei chance ao meu coração e hoje sou guiada pelo Grande Amor. Vale à pena não falecer.
Abraços.

Danelize Gomes disse...

Mais forte que isso só um porre bem tomado.

Brunno Lopez disse...

Uma das coisas mais sinceras, pontuais, empolgantes, estimulantes e violentamente cativantes que li nos últimos tempos.

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